Ele não me disse o sobrenome. Tava com medo dos “donos da boca” verem ele falando com a gente. Ali na cracolândia, no centro de São Paulo, a imprensa não é bem vinda. Mesmo assim deu pra trocar meia dúzia de palavras com o Sérgio. E ganhar o dia. Ele mora faz 30 anos na rua. Nasceu em São Paulo. Tava revirando um lixo quando o carro da Rádio Bandeirantes parou perto dele.
_O senhor já buscou ajuda pra sair da dependência?
_Já. Mas a carne é fraca, cê sabe como é, né?
Sei.
“A carne é fraca”.
Depois disso, perderam a graça todas as teses da prefeitura e da polícia sobre porque tanta gente se envolve com o crack e vive como um zumbi. A prefeitura culpou a polícia, que não combate os traficantes. A polícia culpou a falta de internações compulsórias, que deveriam “ser a regra, não a exceção”.
Mas a carne é fraca, disse o Sérgio.
Parei. Pensei. E concluí estar diante de uma explicação universal.
Somos animais.
Então, o Sérgio me olhou de novo e eu esperei mais uma grande revelação.
_Me dá uma moeda?
Por hoje, já era o suficiente.
(São Paulo, Estação Júlio Prestes, 20/11/2014)
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