Sexta caiu o mundo na Grande São Paulo. Deslizamentos, alagamentos, quedas de árvores. Gente que morreu soterrada. Enterrada viva. Hoje foi o primeiro dia útil depois da tragédia. Eu fui pra Franco da Rocha e Francisco Morato. Em Morato, o frentista de bigode grisalho apontou o caminho:
_Rua Iran.
O dedo dele indicava pro alto. De longe, deu pra ver mais ou menos onde era. Longe. E alto. Nelson Gonçalves cantou no palco da minha cabeça:
“Vai barracão
Pendurado no morro
E pedindo socorro
A cidade a seus pés
Vai barracão
Tua voz eu escuto
Não te esqueço um minuto
Porque sei que tu és
Barracão de zinco
Tradição do meu país
Barracão de zinco
Pobre é tão infeliz”
Subimos o morro de carro. Os ônibus azuis pareciam salsichas fazendo as curvas. Tinha mais lombadas que Guaranésia.
Na rua Iran, uma ruidosa retroescavadeira rapava a terra que ainda sujava o asfalto. Um homem de camisa vermelha olhava sozinho o buraco onde cabia uma casa. Ali tinha uma casa semana passada. Mas a terra do barranco gigante escorregou e engoliu tudo. O chão tremeu. Pai, mãe e filho foram enterrados vivos. O homem de camisa vermelha era colega de trabalho do pai que morreu. Conviveram durante 21 anos. Domingo eles passaram o dia juntos.
_Não sei se foi o destino ou se foi um acidente — refletiu o homem diante do gravador.
“Destino e acidente não seriam a mesma coisa?” — perguntei pra mim mesmo.
Guardei a filosofia no bolso, mirei para o alto e vi dezenas de barracões pendurados no morro e torci para que nem o destino nem um acidente os alcançasse.
Abaixo de um dessas casas suspensas estava uma rodinha de meninos, tradição do meu país. Uns sete ou oito. Alguns de bicicleta. Todos de pé. De pé no chão. Com a cidade a seus pés. Um deles viu nossa viatura e claro, ficou curioso:
_Vocês são da “rádia”?
Imaginei que pediriam socorro, que falariam sobre os vizinhos mortos, sobre os desalojados, sobre o medo da chuva e do barracão de zinco.
_Manda um abraço pra minha mãe! Ela chama Aparecida.
E riram tão alto que a terra quase tremeu outra vez.
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